Duelo de gigantes. Bem, talvez Beethoven não considerasse o concorrente como tal.
Alguns fatos históricos produziram "movimentos musicais" muito interessantes e importantes do ponto de vista socioetnomusicológico (conheciam essa?). O mais importante de que tenho notícia é aquele que decorreu da Revolução Francesa: a figura do burguês surge como o principal ator do cenário antes dominado pelo aristocrata; com o primeiro vem a enorme vontade de consumir os bens que antes só eram acessíveis ao último. Eis a situação perfeita para o artista se promover.
Explicando: durante muito tempo, ser músico era considerado uma ocupação como qualquer outra - um escrivão, um lojista ou um enfermeiro, por exemplo. O fascínio pelo músico-artista que se instaura com toda força no Romantismo é fruto em muito da compreensão de compositores - como Beethoven - a respeito do novo mercado que se abria para os que trabalhavam com Música.
Antes que me venham com acusações a respeito da qualidade de Beethoven, é importante mencionar que não há dúvida de que se trata do melhor músico de sua época, um dos maiores gênios produzidos pela Humanidade. A questão é que nesse caso juntou-se a fome com a vontade de comer: o cara foi um gênio da autopromoção, sabia se valorizar como ninguém e isso sem ser empregado de corte nenhuma. Morreu rico e exercendo - até hoje - profundo fascínio em gerações e gerações.
"O Segredo de Beethoven" ("Copying Beethoven")
A cena acima de "O segredo de Beethoven" é uma das mais interessantes do filme. O descreve como um sujeito grosso, fanfarrão e exótico. Terror dos vizinhos. Melhor ainda é quando, ao fim, uma senhora idosa, sua vizinha sempre muito maltratada pelo Grande Ludwig, responde a Anna Holtz sobre o porquê dela não se mudar dali: "Você está brincando... eu moro ao lado do grande Beethoven! Eu tenho o privilégio de ouví-lo compondo e tocando suas novas obras antes de qualquer outra pessoa..."
Se dissessem para este "simples músico" que, duzentos anos depois, além de muitas honras em seu nome, sociedades dedicadas a estudar sua obra, bustos, pinturas... até uma máscara mortuária sua poderia ser vista incrustada em um bloco de granito na ilha de Paquetá, escondida na cidade do Rio de Janeiro, num país da América do Sul, imagina o que ele diria: "É claro que existe!"
Máscara de Beethoven em Paquetá-RJ
Situação curiosamente semelhante ocorre hoje em dia: grande parcela da população acostumada a uma atuação periférica, marginal da sociedade de consumo passou a fazer parte do jogo: possuem um trocado para comprar TVs, aparelhos de DVD, home theaters (como eu odeio usar termos em inglês!). Não poderia ser diferente com Música e Cinema. De olho nessa rapaziada, a indústria cultural leva ao topo das paradas de sucesso (mal posso esperar para ouvir e ler meus colegas musicólogos querendo brigar comigo) "ai seu te pego, vou querer tchu, tcha e tchetcherere na Avenida Brasil com padres e pastores ".
Um estudo interessante a respeito do assunto pode ser visto em "Violência e Democracia", da Angelina Peralva; com um argumento que passa por algo como "a ditadura mantinha o pobre afastado do jogo; com o fim dela, ele passa a frequentar os espaços comuns às classes médias, gerando um choque" - vale a leitura.
Agora, estilos que eram puramente regionais - beirando o folclórico aos olhos do sujeito das metróples - se tornaram "universitários". Primeiro foi o forró, agora tem sertanejo, brega e sei mais lá o que a mão invisível de Adam Smith promoverá ao nível superior. Adoraria ver o contrário: dodecafonismo do ensino médio; atonalismo infantil...
Atualize-se ouvindo as músicas do vídeo abaixo. Não deixe de se atualizar de novo na semana seguinte e assim por diante até não sei quando.
Top 10 Sertanejo Universitário 2012
E vou fechar citando o grande professor Eduardo Lakschevitz que, em suas aulas de História da Música Romântica provocava: "Se Beethoven, com aquela qualidade toda, se esmerava em vender sua obra pelo melhor preço e se autopromover, o que devemos nós em nossos humildes patamares fazer?"
E um pouquinho de grande Romântico Ludwig Van pra contrabalançar. ok? Uma bem pop, Romantismo Universitário.
"Sonata para piano no. 8 - Patética"