sábado, 30 de junho de 2012

Tijuca. À procura da trilha perdida.

Rugendas: "Viajantes para a Tijuca seguindo uma tropa de mercadores." (1820)


Escrever o post "O outono no Rio", adornado pela canção homônima, me levou  a reencontrar o CD "As segundas intenções do manual prático", de Ed Motta, e consequentemente "A Tijuca em cinemascope" - lindo tema cheio de climas meio cinematográficos. Sou tijucano. Sou de um tempo em que se decidia ir ao cinema a qualquer momento entre meio dia e 9 da noite com a certeza absoluta de que iria achar pelo menos umas 3 opções a 5 minutos de casa. A pé.
Da rua Uruguai à do Matoso: Cine Coper, Cinema Tijuca (que depois se dividiu em duas salas), Art Palácio, Bruni, Carioca, América, Tijuca Palace (que também viria a se dividir em 1 e 2) e Comodoro. E antes de minha adolescência existiam outros.
Acho que o Coper não virou nada, simplesmente fechou; o Tijuca virou Casa&Vídeo; Art se transformou em Leader Magazine; Bruni em laboratório; Carioca virou uma Universal e o América uma drogaria Pacheco; Comodoro outra Universal. Não basta destruir, tem que denegrir e jogar cal em cima.










Os espaços que possuíam música também já se foram. Pouca coisa ficou. Mas não sei se é o excesso de otimismo, saudosismo ou outros ismos quando sinto no ar a possibilidade de um renascimento cultural do bairro. Penso no desperdício de um lugar com tanta tradição no Rio de Janeiro ter tão poucos espaços para apreciar música, especialmente porque aqui há público com bom poder aquisitivo. Mas eles existem. A seguir dois que vez por outra frequento:
1 - Otto - Fui pela primeira vez com minha garota para comer a costela (acho melhor que a do Outback) e apreciar a excelente carta de cachaças da casa. Meu único senão era justamente a música ao vivo. Não suporto bar com música ao vivo. E eis que tomo um tapa na cara com o trio de jazz que tocava naquela noite. Davam banho. Banho! Num volume agradável. E olha que não sou de elogiar à toa. O sucesso dessa casa é prova de que um investimento bem feito no bairro dá resultado.
2 - Calabouço Heavy & Rock Bar - Na Felipe Camarão, com espaço pequeno, mas interessante. Rock'n Roll e adjacências. Ambiente underground, mas organizado. Verifique quem vai tocar antes. Beba e grite. Abaixo o vídeo da banda Dio Years na casa.








sexta-feira, 29 de junho de 2012

Saravá Metal! Licença!

Me lembro do meu primeiro dia de aula na disciplina "Folclore Musical Brasileiro". Unirio, 1996 (meu deus! Século passado - idoso). Iniciou-se com uma pergunta: "Se vocês fossem donos de uma loja de discos, em que categorias disponibilizariam seus produtos?". Começam a pipocar as respostas: "pop", "clássico", "rock" etc, até que alguém diz: "sacra, música religiosa". E a professora: "Sacra? Como assim? Música de umbanda, por exemplo... né?" O mal estar simbolizado por nosso silêncio cuspiu o preconceito no chão de mármore limpinho (metafórico, hein?! Por favor...). E gerou reflexão. 
A umbanda é uma religião genuinamente brasileira, que brotou de nossa terra assim como o samba ou o jeitinho. Sempre me sinto um pouco ferido em minha alma democrática, libertária e ufanista quando ouço menções pejorativas a ela. Não gosto de intolerância em geral. 
A banda carioca Gangrena Gasosa faz música que mistura elementos da macumba, death metal, humor... e sofre o preconceito também. Me recordo que a primeira vez em que ouvi falar deles foi através das páginas dos jornais - haviam sido agredidos por pessoas que se julgavam ofendidas religiosamente. O mais curioso é que não se sabia se os responsáveis eram cristãos ou umbandistas.
Certa feita, chegando na Casa de Música de Ipanema, encontro um ambiente com pessoas cantando - ou tentando cantar - "A Supervia deseja a todos uma boa viagem". Coisa que não se ouve toda hora, aquilo me despertou minha curiosidade.

Gangrena Gasosa
Abaixo segue o link para a canção "Surf Iemanjá", do disco "Smells like tenda spirita" - puro antropofagismo.
PS1: Uma boa parte de vocês não sabe o que é uma loja de discos - muitos nem uma loja de CDs -, mas elas ainda resistem por aí (como as da  galeria Vitrine da Tijuca ou a Baratos da Ribeiro em Copa, por exemplo). 
PS2: Gostaria de dedicar esse post à professora Elizabeth Travassos, que viria a ser minha orientadora de mestrado, quando estudamos o funk proibidão carioca. Atualmente ela não pode lê-lo por problemas de saúde, mas gostaria de fazer essa referência devido à grande influência que ela teve em minha maneira de ver as coisas (professores... sempre eles).





quarta-feira, 27 de junho de 2012

O Centro: A Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens

Amo o Centro da cidade. Desde criança tinha fascínio por aquele lugar que é de todos e ao mesmo tempo não é de ninguém. Mas o mais interessante é a como essa parte da cidade tem o poder de manter sua imponência: arquitetura, economia, política, cultura, comércio... bem no meio (?) da urbe. Foi o Brasil por muito tempo (o quanto ainda é?). Palco de muito e de tudo.
Em uma andança, tive a sorte de passar bem em frente à Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens. Aquela entrada pequena guarda um santuário neoclássico - em geral ninguém esquece a primeira vez que vê (assim como nunca me esquecerei da primeira vez que entrei no Maracanã, especialmente o som que invade os ouvidos, mas isso é uma outra história). Dizem que serviu de esconderijo para Tiradentes em fuga. Tive a sorte de passar por lá numa terça-feira de maio, pela hora do almoço, e encontrar perto do altar um violonista e um flautista tocando dentro da nave vazia. Puro lirismo que aguardava por mim. Saibam eles que entrou ali a pessoa que vai carregar o momento para sempre.




Para vocês uma Ave Maria menos conhecida que a de Gounod ou a de Schubert - a de Caccini, que viveu um pouco depois do achamento do Brasil.



terça-feira, 26 de junho de 2012

Muzak.

Muzak. Pouca gente conhece, mas trata-se de um produto muito lucrativo. Veiculação de música para ambientes que precisem de controle. Elevadores são um exemplo muito comum.
O ambiente musical pode surpreender radicalmente. Partimos do princípio - muitas vezes inconscientemente - que em lojas, shopping centers, restaurantes e outros espaços de interação, a música é parte da decoração, mero preenchimento do silêncio. 
Eis que estava eu numa loja de roupas entretido com escolhas quando de repente põe-se a soar uma canção - em inglês, é verdade - com palavras de fazer corar Bukowski (exagero). Irrompi com uma risada, prontamente repreendida pelos olhares ao redor ("Está rindo de quê?"). Arrisquei desbravar a situação: "Você ouviu a letra da canção?" "Não, senhor. Não estava prestando atenção." - respondeu o vendedor que dançava contidamente.
Descobri mais tarde que o cantor era o amável papai abaixo. E a canção vai em seguida. Julgue se estou velho ou se minha surpresa é fundada. Eu disse fundada.



Música para livros

Passeio por Ipanema mais uma vez atento à música no ar. Não me atrevo a definir a paisagem sonora como Música - muitas pessoas, entre elas meus alunos, costumam se indignar com isso. E assim me lembro das obras de pessoas como Pierre Henry e John Cage, com seus instrumentos: rádios, pianos preparados e objetos cotidianos; o acaso e a aleatoriedade fazendo parte do resultado sonoro, sem falar no silêncio. Procuro um ambiente menos comum e entro na livraria Galileu certo de que os livros serão bons companheiros de audiência.
Ao fundo uma canção estilo charm (charme?), uma cantora que não consigo identificar, um som sereno, sem mudanças - cara de paisagem.  Ao fim a resposta: Sulamérica FM. Muita propaganda depois, segue uma canção que poderia ser continuidade da anterior, mudando a intérprete.
E os livros? Estarão dormindo? Calmos... ou quem sabe de saco cheio?
Um pouco de Cage, pra vocês se indignarem. Ouçam com atenção!


domingo, 24 de junho de 2012

Ainda mais outros outonos


Dessa vez interpretado por uma voz que dispensa imaginarmos as tais folhas que caem. Mais sutil do que o silêncio.





      "Chesney (Chet) Baker nasceu em Oklahoma e foi criado em um subúrbio de Los Angeles, Califórnia. De seu pai, guitarrista amador de bandas de country, além de herdar o nome herdou também o amor pela música; foi ele quem lhe deu um trompete quando fez treze anos, para que pudesse entrar para a banda do colégio. No entanto não era muito dado a estudar música. Costumava dizer que sempre se safou por ter excelente ouvido. (...)
      Chet Baker foi o músico cool por excelência, não só musicalmente, sendo um dos pais daquele estilo, como também na atitude de calculada indolência, que se tornou famosa. O jeito "cool", porém, escondia na realidade um temperamento esquentado. A devastadora dependência de drogas fez com que durante décadas Chet se visse num labirinto infernal de crises pessoais, contratos interrompidos, brigas, internações e prisões. Sua aparência sofreu ao longo da vida uma transformação impressionante, devido ao uso de heroína e suas consequências. (...) 
      Chet também gostava de cantar, com uma voz pequena e frágil que às vezes evoca Billie Holiday."

V.A Bezerra (2001), disponível no site EJazz  <http://www.ejazz.com.br/detalhes-artistas.asp?cd=113>

Mais outros outonos

                 
Será a voz sutil que expressa esse outono um reflexo de sua vida pessoal? 


           

    "Havia dois motivos que levavam Billie à polícia: durante a infância o sexo tinha papel primordial, enquanto na idade adulta seu envolvimento com as drogas prevalecia. Desde os quatorze anos começou a fazer uso de maconha e bebidas alcoólicas. Aos vinte e seis anos, por ocasião de seu primeiro casamento, passou a fazer uso de ópio  e um ano depois de heroína. Quando seu corpo já se encontrava inteiramente perfurado por agulhas, Billie injetava a droga em sua própria vagina. 



            Para Billie a droga a encorajava para “enfrentar” o palco. Além disso, tinha o hábito de ser 'surrada' por seus companheiros para garantir um bom recital. Billie casou-se quatro vezes. Construía relações demasiadamente destrutivas, pois os homens elegidos por ela obedeciam, sucessivamente, ao mesmo estereótipo: 'trapaceiros, hostis, desleais, agressivos'. "
Julie Travassos. "Billie Holiday: um corpo a serviço do gozo." 
Interessantíssimo e pequeno artigo disponível em

sábado, 23 de junho de 2012

Outros outonos

Contrapeso: o outono europeu também reverbera como o nosso? E em nós?
"As quatro estações: outono" - Antonio Vivaldi


O outono no Rio

Dando continuidade à série "outono: estação mais da alma que da natureza". Ouvi essa canção pela primeira vez numa época em que Miles, Brubeck e Baker era só o que me soava - o Be-bop pesado já tinha ficado para trás. E o verão também.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Outono

Estamos em junho. "Repara que o outono é mais estação da alma do que da natureza" - Drummond ou Nietzsche?
Responde, Alceu!



Lidador. O Rio. Cachaça e Bunda de Fora.

Andando por Ipanema na hora do almoço, fiz de tudo para encontrar um ambiente musical simples, com feijão e arroz, com carne de panela, farofa (duvido misturar com macarrão). E música.
Acabei por parar ali no "Bunda de Fora" (conhece? Na Vinícius entre a Barão da Torre e a Nascimento Silva). O som de fundo era televisão - baixinha, é verdade -, mas o interessante papo de frequentadores de boteco, que me esforçava ao máximo para captar, resolveu. Era um torcedor do Ceará querendo confrontar um senhor flamenguista. Num dialeto muito louco.
Na saída dei uma passadinha na Lidador para um rápida olhada na vitrine que, por causa da Rio+20, tem o tema Cachaça. Na porta, enquanto observava uma promoção da "Seleta" (R$14,90 - vale a pena!) um trio regional desaguava chorinhos - e tenho certeza que o pandeirista fazia parte do quarteto que tocou no meu casamento -, me brindando com um "Doce de Coco" do Jacob do Bandolim. Sobremesa justa e gratuita.